domingo, 13 de setembro de 2015

Fabula erótica para criança abaixo de 12 anos Ou A vida normal dela



 

Adotamos um ao outro, simples assim: porque eu precisava dele e ele de mim. (Alessandra Grani)  

Um telefone ao alcance da mão, um número decorado na cabeça. E uma aflição no coração. É aí que mora o perigo... (Martha Medeiros)
 

Quando ela me encontrou, estava frio e úmido lá fora. Era uma daquelas tardes de chuvas inesperadas em Goiânia. O cabelo dela, assim como meus pêlos, também estavam molhados e pesados, e um cheirinho muito doce de chuva nos rodeava. De seus olhos escorriam lágrimas escuras, que logo se diluíam na medida em que desciam por seu rosto de pele cor de leite. Era estranha, alta, de garras vermelhas e por mais incrível que pareça, tinha poucos pêlos em seu corpo, exceto por seus curtos cabelos negros. Se eu mesmo não estivesse morrendo de frio, arrastaria ela para dentro de minha caixa, ou se pudesse, daria a ela um pouco de meus pêlos.
Não foi necessário.
Ao contrario de mim, ela vivia em uma casa bem grande.
Naquele dia eu fui adotado.
 
Então,
Eu passei a ser o gato dela.
Ela era gentil e doce como mamãe. Cheirosa e macia como uma amiga de rua, e tinha um cheiro muito agradável, logo eu passei a amá-la.
Ela vivia sozinha.
Todas as manhas ela saia de casa, e voltava juntamente com o esconder do sol. Eu não me interessava muito pelo o que ela fazia lá fora, mas amava o cheiro da rua que ela trazia, todas às noites, impregnado em seu corpo.
Amava mais ainda quando ela tirava suas roupas e entrava para o banho. Eu saia um pouco do sofá para deitar na cama. Esperava diariamente ela sair do chuveiro e caminhar nua até o quarto, era a alegria de meus dias. E seu corpo, mesmo que com poucos pêlos, me parecia bonito.
Seus cabelos eram perfeitamente presos.
Perfumada e levemente maquiada.
Deitava-se na cama comigo por uns instantes e me fazia um pouco de carinho, arrastando suas unhas por todo meu corpo e dizendo algo que eu não entendia muito bem. Levantava-se e saia de casa novamente, deixando-me sozinho na imensidão de nossa cama, com uma tigela de leite e ração aos meus pés. Seu cheiro nunca desaparecia completamente, sempre ficava algo dela comigo, mesmo quando ela me deixava só.
Mas eu também saia de casa, às vezes.
Mimi.
Mimi é minha namorada. Meiga, pequena e bonita. Mas muito infantil.
-Casa-se comigo?
- Eu não posso mimi, eu prefiro as namoradas grandes, adultas. Um dia eu te explicarei tudo, quando você estiver pronta para uma conversa madura.
- Você voltar para brincarmos? Você precisa voltar para brincarmos! Realmente precisa voltar.
Fiquei muito tempo sem vê Mimi. É que prefiro uma mulher adulta, como a minha mulher.
 
 Logo veio o frio.
 A casa se tornou mais aconchegante e ela ainda mais bonita: usava roupas longas, fofinhas e os cabelos agora não ficavam mais presos. Usava meias coloridas nos pés, com os quais eu gostava de brincar quando ela ficava no chão da sala lendo. Os dedos frios de sua mão incomodavam um pouco, quando ela na pausa da leitura, me afagava a nuca. Não era nada demais, mas se eu pudesse, lhe diria que usasse meias coloridas também nas mão. Às vezes ela se encolhia toda, como uma bolinha, e me colocava no meio dela e das cobertas. O cheiro ali era um dos meus cheiros favoritos em todo o mundo. Era o mesmo cheiro que Mimi exalava quando queria namorar comigo, só que aqui é tudo bem mais quentinho do que com Mimi. Nessas noites sempre comíamos coisas doces e víamos algo maduro na televisão. As noites de frio em Goiânia são raras, por isso os casais devem aproveitá-las bem, era o que eu e ela fazíamos.
O frio também trouxe tristeza ao rosto dela.
Um dia, quando desligou o telefone após uma longa conversa com alguém, ela chorou muito. Como se estivesse com muita fome, ou sentindo muita dor. Depois daquele dia, não vi mais felicidade em seu rosto.
Mas eu não reclamo, depois daquele telefonema, depois de tanto vê-la chorar, com o tempo ela se tornou mais minha. Passou a sair menos de casa. Suas roupas de sair à noite -que ela sempre vestia quando saia do banho- foram substituídas por roupas que parecem toalhas com mangas, roupas que eu chamo de ‘’roupas de ficar em casa comigo’’. Não usa mais maquiagem e continua igualmente cheirosa.
Com o tempo ela foi se tornando cada vez mais parecida comigo. Suas roupas foram se tornando cada vez mais fofinhas (mesmo que fizesse calor lá fora), e ela cada vez mais preguiçosa. Letárgica. Dormia muito, muito, quase sempre comigo no meio de suas pernas, outras não, por eu preferir dormi sozinho às vezes. Ela pouco a pouco estava se tornando uma gata grande. Uma gata caseira. Se um dia ela foi selvagem – ela me pareceu selvagem quando me encontrou na chuva-, depois daquele telefonema deixou de ser. Agora se parecia mais com uma gata grande, caseira e domesticada. Quando ela me trouxe para viver aqui, durante meus primeiro dias, eu tomava vários comprimidos com gostos ruins. Não sei pra que serve ‘’remédio’’, mas ela dizia que me fariam bem, então, eu os tomava. Ela também toma remédios agora. Toma sempre antes de dormir. Não sei por que os toma. Devem fazer bem para ela, assim como ela acreditava que faziam para mim. Talvez o telefonema fosse isso, o dono dela mandando ela tomar remédio. E ela chora sempre, porque o gosto é muito ruim. Um dia ela não saiu do quarto pela manha, como costumava fazer – ligava a TV e ali passava o resto do dia-, neste dia ela não fez isso. Neste dia ela permaneceu em nossa cama. 
Sua pele esfriou mais do que o normal e por mais que eu lambesse seu rosto, ela não levantava para me dar comida. Seu cheiro mudou muito, não era mais tão agradável quanto costumava ser. Sua pele ficou ainda mais branca, mas já não tão macia. Arranhei seu rosto duas vezes – pois estava mesmo com muita fome - e mesmo assim ela não acordou. 
Um tempo depois, o telefone de sua casa tocou novamente, pensei que agora ela acordaria para atentá-lo e que talvez, assim como um telefonema a deixou triste, esse talvez a deixasse feliz (eu não me importava em perder minha namorada, desde que ela se levantasse e me desse o que comer), mas não. Nem mesmo para atender ao telefone que tocava de hora em hora, ela levantou. Talvez fosse o dono dela querendo saber se ela comeu, ou se tomava os remédios direitinhos... 
Eu sair de casa por uma janela. 
Voltei a viver nas ruas, voltei a ser namorado de Mimi (que agora era uma gata grande). 
E sempre conto essa historia para os outros gatos. Conto que uma vez tive uma namorada humana e que ela morreu de telefonema.  



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