sexta-feira, 22 de julho de 2016

Vermelho ou o Homem-Animal


''Como explicar que o homem, um animal tão predominantemente construtivo, seja tão apaixonadamente propenso à destruição? Talvez porque seja uma criatura volúvel, de reputação duvidosa. Ou ainda talvez porque seu único proposito na vida, seja perseguir um objetivo. Algo que ao final, ao ser atingido, não é mais vida, mas o principio da morte''- Dostoiévski 

 

Como o mais baixo dos animais irracionais, o homem, ao sentir-se ameaçado, ou ameaçará de volta ou fugirá de seu predador. Seja como for, é de se esperar que, seja da natureza humana, ser covarde ou violento para com aquilo que lhe provoque medo.
Em uma situação extrema, onde deva escolher entre matar ou ser morto, o homem sempre escolherá matar.  É muito mais fácil carregar culpa do que aceitar de bom grado a finitude. Não somos diferentes do animal selvagem que destroça seu semelhante por comida ou por sexo. A única diferença é que destruímos por futilidades. Mentimos e engamos por diversão.  Chamamos sexo por amor e matamos em nome de ‘’ algo maior’’, mais digno, que combina melhor com a suposta natureza elevada do ser humano. Com isso é como se apaziguássemos o mais animalesco de nossa ação e nos tranquilizássemos frente ao horror do selvagem que ainda nos habita. Como se não matássemos simplesmente por algo ou alguém ameaçar nossa satisfação, seja ela de qual ordem for.
Não existem homens mais elevados do que outros. Não há, por exemplo, aqueles que sabem resolver seus conflitos de forma educada, de dita forma ’humana’’. O que há, são aqueles que não foram ameaçados ou humilhados o suficiente para reagirem. O suficiente para despertar o animal que neles vivem. Todo homem é em si, um monstro em potencial.
E eu, seu marido, sou antes de qualquer coisa, homem.
Pena que você tenha descoberto isso tarde demais.
Antes de fazer, antes de cometer o meu ato grotesco, eu quis, eu me esforcei, para te falar sobre ela. Para sentarmos e resolvemos tudo como dois adultos. Mas não havia palavras para descrê-la. Ela é indescritível. Disso eu soube desde quando a vi primeira vez. Soube que, ela era a própria reencarnação do diabo em pessoa. Sempre pensei o diabo como uma mulher, o que eu não sabia, o que eu não podia saber, era que o diabo era branco, ruivo e de olhar viciante. O diabo veio até mim, deitou-se em minha cama. Mas, eu cavei sozinho minha cova até o inferno. Cavei com minhas próprias mãos. Mãos que hoje não estão sujas com barro, mas sim, com sangue. O demônio não leva ninguém para o inferno, ele apenas mostra o caminho.

O diabo é uma invenção do homem.
A tentação é uma invenção do diabo.
A morte é uma criação de Deus.

Você sempre foi tão linda, tão meiga, tão tudo para mim.
Não pense que não lhe amai. Se fiz o que fiz, sobretudo foi por ama-la. O homem que ama, mata.
A ironia é invenção da mulher.
Ninguém termina um romance ou deixa para trás um amor que ainda vive.  Somente a morte pode separar dois amantes.  Há aqueles que carregam uma facilidade maior em dizer ‘’adeus’’, mas esses nunca amaram de verdade. O amor é absoluto, como um bloco indestrutível, que não se dissolve a mera possibilidade de um adeus. A morte é o único fim possível e inquestionável quando se ama.
Fomos como Romeu e Julieta. A única diferença é que não matei minha amada por engano.  Não morri por ela, ao contrario, sua morte foi necessária para que eu vivesse.

Todos juntos inventaram Shakespeare.

A Vitima


Quando apoiava minha cabeça contra o teu peito, ao deitarmos juntos (na cama que nesta noite tornou-se minha lápide), e delicadamente envolvia meu corpo em teus braços, sentia-me como dentro do lugar mais seguro do mundo. Os teus braços eram a minha morada. Mal nenhum poderia me ocorrer enquanto seu corpo recobrisse o meu. Mas, como um Judas que trai com o mais gentil gesto de afeto, você me apunha-la com a mesma mão que acariciava-me há pouco.
A morte é irônica.
A dor provocada pela lâmina perfurando minha carne foi feito gelo que ironicamente queima ao tocar diretamente sobre a pele, e machuca mesmo sem necessariamente doer.  O sangue que me causou tanta vergonha quando sujei teu lençol, ao deitamos juntos pela primeira vez, agora escorrer livremente de meu corpo.  Vejo teu rosto e em um piscar de olhos, finto também tuas mãos tremulas. Enquanto como quem sente uma cólica insuportável e contorcendo-se de dor toma uma posição fetal, vejo, em flashes desconexos, formar em teu semblante uma expressão de choro e desespero, sinto o sangue, ainda quente, empoçando-se ao redor de minhas pernas. Não sinto vergonha desta vez. Sinto frio. Muito frio.
Você tampa minha boca como quando fazemos amor. Seus braços fortes surgem por detrás de minha nuca, sua mão pesada, arrancando um ou dois fios de cabelos que sempre ficam presos entre deus dedos, sufocando minha respiração e abafando meus gritos. Tal qual quando abafa meus gemidos, tua mão recai sobre minha boca. Você treme. Você sempre treme. O espelho a minha frente transmite sua expressão de dor, a mesma expressão que faz quando goza dentro de mim. A dor e o prazer devem ser como primos distantes. Sua respiração pesada. Lenta. Quente. Seu corpo perdendo força, soltando o meu aos poucos, denuncia que você terminou. Seu corpo recuando ao meu, denuncia que você alcançou seu objetivo.
Sinto a lamina saindo. Sinto você caindo ao meu lado, não sei se vejo ou penso vê, você levando sua mão até seu rosto, o que de fato sei é que tua barba estar manchada de vermelho. Manchada com o meu vermelho. De repente não vejo mais nada, tudo se torna escuridão. Não dói mais, na verdade, me sinto tão aconchegada como se estive dentro de um de teus abraços.
A primeira vez que transamos eu sentir frio e vergonha.
Hoje. No dia de minha morte, sinto somente frio.

A Amante


- Você precisa escolher... Eu me divirto com você, eu.. eu chego a pensar que te amo. Mas isso que fazemos é errado!
- Eu tenho um plano... Tudo vai se resolver... Vou falar com ela. Eu só preciso de um pouquinho a mais de tempo.
- Um pouquinho a mais de tempo?! Não! Não! Você precisa se decidir! Precisa ser logo! Precisa ser hoje! Eu não aguento mais!  Alias, ela já deve saber, já deve desconfiar. Não é possível que ela não sinta o meu cheiro em você! Eu sinto o cheiro dela em você! Eu sinto a porra do cheiro dela em você!
- Mas... Não.. Sem choro...

- Pelo amor de Deus! Seja homem! Faça algo! E faça hoje! 

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