sexta-feira, 15 de julho de 2016

Bruna ou Não Toque em mim com esta pele que veste teu corpo



É requinte de saciados testar a virtude de terceiros (Raduan Nassar) 
‘’Se ela me chamar... Agora... Eu vou... ’’ (Zii e Zie)

Como todas as coisas banais que, de repente, tornam-se muito mais do que serias em nossas vidas, Bruna também começou como uma brincadeira, como uma molecagem, como um desses acontecimentos que julgamos nunca chegar há lugar algum e, como que uma tose seca, negligenciada, torna-se da ‘’noite para o dia’’, em uma doença maior. Bruna foi uma traiçãozinha destas à toa que, todo homem ou comete, ou deixa de cometer por pura covardia ou receio de ser descoberto, mas nunca por falta de vontade ou menos ainda oportunidade.
Mas antes de Bruna, Fernanda.
A primeira mulher. Não a primeira que amei, mas sim, a primeira a ensinar-me quase tudo sobre como amar uma mulher. Um fascínio.
Como um aluno que se vê encantado pela professora, eu via-me absorvido pela destreza de Fernanda em fazer tão bem e tão desinibidamente, aquilo que eu apenas estava começando a praticar de modo quase que instintivo. Esta mais velha, mais inteligente, muito mais segura de si do que ele mesmo (o aluno) jamais sonhou em ser algum dia, e que em algum momento, em alguma aula, larga um elogio ou um sorriso acompanhado de um olhar ao mesmo tempo gentil e malicioso que arrebata o adolescente no auge de suas efervescências. Este não tardará em relembrar a cena em seu quarto, ou durante um banho um pouco mais estendido do que o de costume. A cena repete-se. O ato repete-se.  Mas tudo fica velado, nada é dito, nada é tocado. Ele sabe que deseja a professora mais do que tudo na vida, e a professora sabe que ele a deseja mais do que tudo na vida. E isto estabelece o jogo. O fascínio. O arrebatamento do adolescente, que como qualquer virgem ao experimentar pela primeira vez os prazeres do corpo, se vicia. Corrompe-se.
Que fique claro: Nunca amei Fernanda. Mas sempre serei capaz de jurar para qualquer um, até para eu mesmo, que ela era, e que sempre seria meu primeiro e único amor. Como o aluno que sorrir da piada sem graça do professor, por precisar de nota, eu jurava amores à Fernanda por precisar de seu corpo.
Ninguém deveria ser responsável pelos amores que jura aos 17 anos
Ou, em idade alguma.                                   
Amor não casa bem com juramentos, ainda mais se estes flertarem com a eternidade.

Bruna, começou como uma coisa à toa.
Um joguinho eletrônico casual, que se tornou
Cotidiano.
Um ‘’oi’’ aleatoriamente enviado pelo facebook para uma menina bonita o suficiente para parecer-me minimamente interessante (somente um tolo, um completo idiota, não julgar pela aparência. É o que diz o livro aberto a minha frente. Eu acredito em livros).
Um ‘’oi’’ correspondido.
Todos os dias, minhas manhãs só começavam realmente quando digitava um ‘’bom dia’’ seguido de um emotion de carinha feliz e enviava à Bruna. Um ritual como café e cigarros antes de escovar os dentes.
Bruna nunca tardava em responder. Sempre on-line.
Nos recheios de meus dias, sobrava tempo e pique para todo tipo de assunto entre eu e ela. Desde aqueles mais sérios, aos extremamente banais. Dos íntimos aos mais íntimos ainda.
Sobre isso e sobre nós, nunca nos cansamos.
E como que em uma balança antiga, onde para um lado subir é preciso que o outro desça, enquanto o meu interesse por Bruna inclinava para cima a cada conversa, a cada emotion de carinha feliz enviado por ela, como que em uma gangorra, o meu encanto (antes, estático), por Fernanda, perdia forças. Caia.
A menina da tela, a menina que eu nem sequer imagino qual seja o tom de voz, o cheiro, o gosto, as manias, consegue fazer-se, insinua-se, como sendo muito mais interessante do que a mulher que tenho em minha cama todos os dias e que conheço tão bem.


Há sempre música tocando quando teclo com Bruna.
Ela não tem voz, é preciso que eu lhe dê uma.
Gal. Rita. Baby. Céu. Cae. Gil. Roberto.
Bruna tem voz bonita.
Bruna tem a voz que eu sempre quero escutar.
Ouço as frases das musicas, e com isso é quase como se escutasse o que ela pensa sobre mim e não tem coragem de digitar. Ela digita uma coisa, mas pensa outra. Ela não tem coragem de me falar o que sente ou que pensa, ela não tem coragem de falar a verdade. Ela não tem gosto, nem cheiro, mas mente como todas as outras.
‘’Ainda há fogo em mim/ Quisera sempre assim’’. Hoje é isso que Bruna pensa. Hoje é isso que a canção diz
Hoje ela sente calor.
Sente vontade.
Hoje Bruna deseja um homem de carne e osso. Talvez ela goste mais de carne do que de osso... Todas gostam mais de carne do que de osso. Eu sou puro osso.
Hoje eu não sirvo pra nada.



Não há mais Fernanda.
Ela se foi.
Aconteceu ontem ou hoje. Não sei. Não me importo. Não há mais nada que ela possa ensinar.
Desde que tenha a tela. Desde que tenha Bruna.
Tudo certo!

- Bom dia (emotion de carinha feliz)
Bruna não responde.
Ainda deve tá dormindo, penso.
Abro a janela. O cheiro da rua é ruim.
Acendo cigarro. O gosto em minha boca agora é ainda mais amargo.
Coloco música. A canção diz, ‘’Quando você voltar/ Já me encontrará refeita’’.

Hoje bruna acordou ressentida.
Deve haver um homem antes de mim em sua vida. Um de verdade. Com mais carne do que osso. Do jeito que elas gostam. E cabelo arrumadinho. Meu cabelo é cabelo de preto. Não fica arrumadinho.
Hoje, mais uma vez, ela não vai falar comigo.
Amanhã é outro dia.
Espero que hoje termine logo.

 Durmo.
Acordo.
Olho pela janela aberta do quarto, ainda é dia.
Hoje ainda é hoje.

Visualizado às 14:41.
Coloco outra canção:
‘’O retrato que eu te dei, se ainda tens, não sei... Mas se tiver, por favor: devolva-me’’
O caso é mais sério do que tinha imaginado.
Há mesmo outro homem. E Bruna ainda o ama.
Ainda se dói pensando nele.
Hoje não vai ter jeito
Ela não vai falar comigo.
Hoje ela quer as cartas de volta. Hoje ela quer uma desculpa para vê-lo uma vez mais.
Desligo a tela
O sono não vem. Hoje vai ser foda.
Amanhece.
Parece que eu dormi um pouco
Não sei.
Só sei que hoje já é amanhã.

‘’Bom dia’’ (emotion de carinha feliz’’), Bruna esta digitando
Como vai? (emotion de carinha de sono)
‘’E teve um negocio de você perguntar sobre o meu signo’’
 Ontem foi um mal entendido.
Nunca houve homem algum. Foi tudo coisa da minha cabeça.
Ontem a canção errou.
Abro a janela: hoje a rua não fede.
Hoje Bruna falou comigo.

Ela volta.
Ela entra de repente e para bem atrás de mim.
Vê eu e Bruna conversando.
Ela vê a foto.
Ela finta minhas mãos dentro da calça.
Ela diz que Bruna é uma vagabunda. Uma piranha. Uma putinha.
Ela grita.
Ela grita que é por isso que eu não dou conta! Que é por isso que eu não funciono!
Ela bate na minha cara.
Ela diz que o quarto cheira a mijo.
Assim como ela entrou, ela sai
 de repente.

‘’A tua presença entra pelos sete buracos da minha cabeça: Pelos olhos, bocas, narinas e orelhas’’
Hoje eu e Bruna transamos pela primeira vez.
Hoje eu apenhei na cara e gozei na tela.

‘’Toda palavra, sim, é uma semente; entre as coisas humanas que podem nos assombrar, vem à força do verbo em primeiro lugar’’. Hoje o livro em minha escrivaninha é outro, eu também acredito nesse.

Bruna? (emotion com carinha de cachorro com linguinha de fora. É isso que sou hoje, bruna é a dona)
Hoje a musica é em inglês. Hoje eu não entendo nada.
Pode ser qualquer coisa.
Hoje tudo pode acontecer.

Bruna enviou uma foto.
Hoje nem bom dia teve.
Enfio as mãos nas calças.
Hoje tranquei as portas.
Hoje a outra não entra.


Abro os olhos.
Meu pescoço doe e minha boca amarga.
Tudo tá escuro. A luz que deveria emanar de meu monitor, não emana.
Saio de casa.
Vou comer na rua.
Sem eletricidade nem meu fogão acende.

A moça do balcão sorrir para mim.
Ela diz alguma coisa que não entendo.
Ela tem a voz feia. Ela não tem a voz que quero ouvir.
Pago e saio. Ou apenas saio, não lembro.
Olho pra trás.
Ela mexe a boca olhando e gesticulando em minha direção, eu não escuto nada.  Corro!

Como paquerar no facebook?
É o que está escrito na capa colorida da revista bem ao lado da revista dos signos. De signo eu não gosto.
Compro um maço de cigarros e a revista.
Leio tudo.
Fumo tudo.
‘’Se deseja ter sucesso nas paqueras virtuais, é importante não demonstrar desespero. É preciso ter calma e respeitar o tempo do outro. Por exemplo: se o crush demora muito a responder, talvez ele não esteja tão interessado assim em você. Encher a caixa de entrega dele, não ira resolver nada. Você só estará demonstrando o quanto estar desesperada por atenção’’.

Eu acredito em livros. E agora percebo que também acredito em revistas.
Eu acredito em Bruna.
Eu acredito em tudo que as pessoas escrevem.

Volto pra casa.
‘’Deseja continuar o Windows normalmente?’’, me pergunta a tela?
Sim.
Desejo continuar normalmente.

Oi? (emotion de carinha feliz), 10h11min
Tá ai? 11h02min
Foto enviada, 11h13min
Emotion de carinha triste, enviada às 11h16min

Bruna está desesperada.
Se ela lesse mais, não estaria assim.
Respondo.
Ela escreve algo que eu não queria ler nunca.
Ela quer me conhecer.
Quer saber se sou de verdade. Se sou igual à foto.
Digo que sou igualzinho a foto.
Ela não acredita.
Ela é dessas que precisa ver para crer.

Vê é tudo que ela não pode.
Se ela me vê, vai querer falar comigo.
E certamente deve ter a voz feia.
Depois disso virão os beijos, longos e molhados. Do jeito que eu não gosto.
Depois vai querer vim até minha casa. Elas sempre querem vim até a minha casa.
Vai descobrir que meu quarto cheira a mijo.
Vai descobrir que eu não dou conta.
Vai ficar chateada.
Brava comigo.
Vai  bater na minha cara.
Uma vez eu apanhei na cara.
Não gostei.
Depois ela vai embora.
E eu fico.
Sozinho.

Acendo cigarro.
Hoje a musica diz, ‘’Encontrei nos braços de outra a felicidade’’
Hoje eu entendo o recado.
Tem certeza que deseja excluir Bruna N. de sua lista de contatos? (Após excluir você e Bruna N. não serão mais amigos no facebook).
Clico em tenho certeza.


‘’O amor quase nunca é reciproco.’’ É o que diz o livro aberto a minha frente.





Nenhum comentário: