sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sábado




Acordei de madrugada com medo. Foi um pesadelo horrível! Sonhei que todos os cigarros do mundo haviam acabado. Sonhei que nicotina estava irremediavelmente proibida pela Ministério da Saúde.
Acordei no meio da noite, tremendo. Restos frescos de abstinência onírica que se expressavam através de meus membros, pés e mãos em tic-tac.
Suando.
Camisa pregada ao corpo.
Minha cama, minhas roupas, minha pele que seja, exalavam algo podre. Tudo cheirava mal, como se meu quarto inteiro fosse um cinzeiro público gigante. Queria sair, respirar qualquer coisa que não fosse fumaça.
Pensei um pouco e acendi uma bituca que encontrei no chão, ao pé da cama.
Refletir: Em cidade grande ninguém sai às ruas após as 23:00 horas.
Traguei.
Meio que deixando a rua para depois, deitei novamente. Fumando.
Levantei meio zonzo ao fim do resto de meu cigarro. Pensei em baratas que podiam ter passado por cima de minha bituca enquanto eu dormia. Pensei em baratas desfilando sobre o filtro que há pouco eu sugava. Pensei que de fato era verdade o que todos falavam, que esses cigarros continham pedaços de baratas moídas. Pensei nisso. Imaginei meu cigarro tragado até a metade no chão, envolto por baratas. Baratas que saíram de cada canto de meu quarto para velar ''companheiras moídas dentro da bituca de meu cigarro''.
Um grande caixão branco de filtro vermelho.
Pensei nisso sem sentir nojo. Acendi outro cigarro e levantei-me. Toda essa historia de barata merecia um café.
Dei dois ou quatro passos rumo a minha cozinha/quarto/sala.
Água fervendo a meia chama às 3:30 da manha.
Silêncio.
Cidade adormecida.
Sentei sobre minha pia de mármore branco, observando as bolhinhas de vapor se levantarem água acima. Pensei no meu sonho, e novamente tremi de medo ... Um mundo sem cigarros!
Um mundo sem cigarros. Pensei novamente. Um mundo sem cigarros! Disse em voz alta, em meio a gargalhadas. Veio-me a imagem de meu pai morto na cabeça. Meu pai que fumava de um a dois maços de cigarros por dia.
Meu pai morto. Meu pai no nada. No nada e sem cigarros! Soltei a minha mais sincera risada. Rir ali, sozinho.
Rir como não ria há anos!
Meu maldito pai morto e sem cigarros!!! Aquilo era hilário!
Café morno servido em copo de vidro.
Copo que antes guardava azeitonas em conservas.
Em pé na varanda acendo outro cigarro. Lá em baixo mendigos vasculham o lixo do prédio vizinho.
''Mendigos têm cheiro de cinzeiro molhado'', penso.
Acendo outro cigarro.
Trago a fumaça de olhos fechados.
Me distraio.Perco a noção de tempo.
Ao voltar a atenção novamente para a rua, vejo,um mendigo de cabeça erguida, encarando minha janela, me encarando. Encarando-me como um leão encara uma presa
Mas esse leão aqui tinha o corpo corroído por feridas.
Não metia medo.
Não, não era um olhar de fome. Era um olhar de inveja.
Não era inveja da minha casa, das minhas roupas ou de meu café quase morno.
Era inveja do meu cigarro, com sua ponta em brasas a se destacar na noite.
Finto o imundo homem nos olhos e trago tão fundo que sinto meus pulmões doerem. O ignoro. Fecho as janelas a sorrir. Lembro novamente de meu pai no nada, sem cigarros. Penso em meu pai pior que aquele mendigo ali embaixo. Penso nele sem cigarros, sem sequer uma bituquinha que seja a brilhar na escuridão em que ele se encontra. Penso nele no inferno sem nada para invejar.

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